A importância da intermodalidade para descarbonizar os portos

Quando se fala em descarbonização portuária, é comum o foco ficar apenas no que acontece dentro do porto. Mas uma parte importante das emissões está espalhada pela cadeia logística ligada a ele: navios atracados, equipamentos de movimentação e transporte terrestre de acesso. Por isso, discutir emissões em portos significa também discutir intermodalidade.

Onde estão as principais emissões

Inventários de gases de efeito estufa em portos costumam apontar três grandes focos de emissão: navios durante a atracação, equipamentos usados para movimentar cargas e caminhões que entram e saem dos terminais.

Os navios, mesmo parados, continuam consumindo combustível para manter sistemas e gerar energia a bordo. Isso resulta em emissões contínuas de dióxido de carbono, óxidos de nitrogênio e material particulado. Ao mesmo tempo, guindastes, empilhadeiras e rebocadores movidos a diesel também contribuem de forma relevante. E, completando o quadro, o transporte rodoviário concentra boa parte das emissões associadas ao escoamento de mercadorias.

Por que a intermodalidade é decisiva

A matriz de transporte brasileira ainda depende fortemente das rodovias, que respondem pela maior parte do fluxo de cargas. Ferrovias, cabotagem e hidrovias têm participação menor, embora ofereçam melhor eficiência energética e menor emissão por tonelada transportada.

Quando esses modais são conectados de forma mais inteligente, o porto deixa de ser um ponto isolado. Isso permite reduzir a distância percorrida por caminhões e aumentar o uso de trilhos e vias navegáveis em rotas de longa distância. Essa é a lógica da intermodalidade aplicada à descarbonização: transferir uma parte do volume hoje concentrado no rodoviário para combinações mais limpas e eficientes.

Em outros países já existem exemplos dessa orientação. Nos Estados Unidos, o Programa Green Freight, coordenado pela Agência de Proteção Ambiental, busca incentivar o uso combinado de ferrovias e hidrovias no transporte de cargas, justamente para diminuir a pegada de carbono da logística.

Iniciativas brasileiras nessa direção

No Brasil, alguns instrumentos de planejamento e programas públicos já apontam para uma matriz de transporte mais equilibrada. O Plano Nacional de Logística 2035 prevê aumento da participação ferroviária em corredores estratégicos, com o objetivo de reduzir a dependência de caminhões.

Na navegação, o programa BR do Mar foi desenhado para estimular a cabotagem ao longo da costa brasileira. A ideia é criar alternativas ao transporte exclusivamente rodoviário, com menor emissão de carbono por tonelada transportada. Em paralelo, avançam estudos de concessão de importantes hidrovias, como as hidrovias do Madeira, do Paraguai-Paraná e do Tocantins-Araguaia, com foco na modernização da infraestrutura e na ampliação do transporte fluvial de grãos, minérios e outros produtos.

A combinação desses movimentos tende a favorecer a competitividade do comércio exterior e, ao mesmo tempo, a agenda climática, ao reduzir emissões e tornar o sistema logístico mais eficiente.

Políticas públicas e marcos regulatórios

Infraestrutura sozinha não resolve. Políticas públicas e regulação são essenciais para dar escala às soluções. A criação de corredores logísticos verdes, com incentivos fiscais para empresas que adotam modais menos poluentes, é um exemplo de mecanismo que pode acelerar a migração para rotas mais limpas.

Hoje o Brasil conta com instrumentos gerais relacionados ao clima, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima, que estabelece diretrizes para mitigação de emissões, e programas como Combustível do Futuro e Plano ABC, que estimulam o uso de combustíveis de baixa emissão e práticas sustentáveis nas cadeias produtivas e logísticas. Também tramita o Projeto de Lei 528 de 2021, que propõe um mercado regulado de créditos de carbono.

No campo portuário, estudos conduzidos pela ANTAQ têm contribuído para mapear emissões, indicar a necessidade de um inventário nacional de gases de efeito estufa para os portos, propor critérios para concessão de incentivos e sugerir metas graduais de redução. O Ministério de Portos e Aeroportos tem sinalizado a intenção de priorizar, no acesso ao Fundo da Marinha Mercante e na análise de pleitos administrativos, projetos com compromissos mais claros em relação à sustentabilidade e à redução de emissões.

Referências internacionais

Enquanto o Brasil estrutura seu caminho, outros mercados já operam com normas específicas para emissões em transporte marítimo e operações portuárias.

Na União Europeia, o pacote Fit for 55, o sistema europeu de comércio de emissões e o regulamento FuelEU Maritime formam um conjunto de regras que trata de metas de redução de emissões, uso de combustíveis alternativos e inclusão do transporte marítimo em um mercado de carbono regulado.

Nos Estados Unidos, a legislação de qualidade do ar e iniciativas de portos verdes, como nos portos de Los Angeles e Long Beach, estabeleceram metas de eletrificação de equipamentos, adoção de combustíveis mais limpos e uso de linhas de financiamento para modernização de infraestrutura portuária.

Um caminho possível para o Brasil

Diante desse cenário, ganha força a necessidade de um marco brasileiro específico para descarbonização portuária. Esse marco poderia estabelecer metas claras, incentivar o uso de combustíveis de menor emissão, regulamentar o fornecimento de energia em terra para navios atracados e criar instrumentos financeiros voltados a projetos de eletrificação e inovação em terminais.

Com uma matriz elétrica predominantemente renovável e capacidade relevante de produção de biocombustíveis, o país tem condições de transformar essa agenda em vantagem competitiva. Aproveitar esse potencial passa por integrar melhor os modais, alinhar regulação e investimentos e garantir que descarbonização e competitividade caminhem juntas.

Continue lendo